sexta-feira, 26 de setembro de 2014
A estrutura do coração
“Assim meu coração não aguenta”,
diz a frase que circula em nossas bocas. Quem é este coração? E o que isto, que
ele não aguenta? O coração, tenho descoberto é o contorno, o continente, que dá
conta do conteúdo de minha vida – minha essência, minhas emoções, aquilo que
realmente importa para mim. É o leito do rio, ou os contornos do oceano, que
permitem que rio e oceano possam existir, com toda a sua abundância de vida. E
quanto maior e mais forte esse contorno, maior a quantidade de vida que ele
pode abarcar.
Estou agora em Washington DC, nos
EUA, e tenho pela frente pelo menos um mês de viagens entre Haiti, Filipinas e
por outras cidades aqui dos Estados Unidos. E, como em toda jornada que faço,
deixei-me aberto para que a vida me contasse qual era o tema, ou a grande
pergunta, dessa nova jornada. E descobri (pelo menos até agora) que ela tem a
ver com fortalecer e engradecer a estrutura do meu coração e, junto com ela,
contribuir para o engrandecimento e fortalecimento do coração desta casa onde
habito, seja ela minha família, minha cidade, meu país, o planeta, ou o universo.
Experimentei ao longo da vida o
sofrimento de estar em continentes muito grandes para o conteúdo que ofereciam:
relacionamentos, grupos, trabalhos, instituições, grandiosas em seus recursos e
em suas possibilidades, mas que passam longe de despertar e sustentar em mim (e
muitas vezes em outras pessoas) uma constante e profunda sensação de
felicidade. Eu também construí e construo estruturas grandes e vazias – de
sonhos, expectativas, vaidades e megalomanias. E também experimentei continentes
muito pequenos para os conteúdos que tentavam abarcar: sonhos, verdades,
inspirações, almas tão grandes, limitados pela falta de recursos financeiros ou
materiais, pela falta de conhecimento, por uma rede de suporte, pela falta de
estrutura interna para dar conta do que estava vivo lá (aqui) dentro.
E ao longo desse tempo, resolvi
investir em meu conteúdo: descobrir e viver meu propósito de vida, conhecer-me,
cultivar minha relação com o Imenso Amor. E as águas da felicidade começaram a
fluir, e tão abundantemente, que em pouco tempo elas começaram a gerar mais
resultados, abrir mais portas, criar mais oportunidades, levantar mais
perguntas e desafios, do que consigo dar conta. Seja dar conta emocionalmente,
ou simplesmente da minha agenda, de responder aos e-mails e mensagens que
recebo.
Em alguns momentos, tive vontade
de desistir. O que é maluco, porque é tudo tão bom! Desistir do que é bom...
Mas meu corpo e minha mente não estavam dando conta – e às vezes ainda não dão.
Porque antes eu não podia nada. Aí peguei as rédeas do meu ego, e descobri que
ele – eu – pode um bocado de coisa. E agora percebo que, embora delicioso, o
ego é só a ponta do iceberg de uma estrutura maior: o continente do meu
coração. Pois nele as águas do poder podem fluir livremente, sem medo de que as
paredes se arrebentem. Pois o coração não é uma barragem artificialmente
construída – ela é o poderoso contorno do rio e do oceano, que se adapta, se
alarga e, ainda assim, dá conta de direcionar o conteúdo da vida para seu
destino, criando a condição para que a vida abunde cada vez mais, de forma
vigorosa, eterna.
Por isso, minha pergunta agora é
como fortalecer as estruturas do meu coração. Não tenho espaço para criar mais coisas,
para gerar mais conteúdo. A água já está aí, querendo jorrar abundantemente
pelas estruturas que já existem – só que elas ainda são fracas para dar conta
do que está por vir. Há muito mais poder e amor querendo transbordar em direção
a mim e ao mundo. Há muito mais sabedoria a ser recebida das pessoas e da
natureza. E essa estrutura do meu coração ainda é muito arrogante para receber
com humildade e muito insegura para doar com total confiança. E não há nada de
errado nisso. Meu coração também é puro e forte, mas ele precisa crescer ainda
mais, transformando arrogância em entrega poderosa, e insegurança em ação
profunda.
Ainda estou descobrindo como
fortalecer essas estruturas. Sei que não tem a ver com diminuir o volume, com
fazer menos. Tem sim, a ver com ritmo. Saber mais a hora de alternar os sabores
daquilo que faço, e que inclui trabalho, lazer, família, viagem, amigos,
introversão, extroversão e muito mais. Sei que tem a ver com silenciar a fala e
aprofundar a escuta. Que se relaciona com sustentar mais amor dentro de mim
toda vez que a raiva e o medo passaram, para que eles passem livres, sem
resistência, e possam ser integrados como parte da energia que constrói o belo.
Tem a ver com alargar os círculos e tipos de situações nas quais me desafio a
estar, sentindo a dor e a delícia de me responsabilizar cada vez mais pelo
mundo que vivo e que cocrio. Com lidar melhor com minhas projeções e as dos
outros, assumindo cada vez mais meu lugar na dança sem medo da rejeição. Com
sustentar o prazer no meu corpo e no mundo, como algo digno, de valor, e que
pode ser vivido aqui e agora, e não em outra vida: o paraíso sou eu que
construo, com meus músculos. Logo, quanto mais forte a estrutura do meu
coração, mais conseguirei dar conta desta forte energia da felicidade que,
quando sentida, acompanha um medo interno de que ela vai ser retirada a
qualquer momento. De que as paredes do coração vão arrebentar e dar lugar para
alguma tragédia. Mas não vão.
Por isso, peço à sabedoria dos
seres que me guiam, da família que me nutre, dos amigos que me despertam o
sorriso, dos desafetos que me espelham a verdade, do mistério que me desafia, que
eu saiba fazer mais com menos, que eu saiba reforçar as estruturas internas e
externas com diligência e cuidado, e que eu saiba ser um corpo que honra o
tamanho da alma que mora em mim.
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